No plano jurídico das relações de consumo – não há dúvida alguma de que os planos privados de assistência à saúde são contratos de consumo e se caracterizam por serem de adesão, cativos (catividade intrínseca), sinalagmáticos, de trato sucessivo – cuja prestação se protrai no tempo, onerosos e formais. “Há o dever de boa-fé de cooperar para a manutenção do vínculo e para a realização das expectativas legítimas dos consumidores” (Cláudia Lima Marques). Há também aspectos relacionados à teoria da confiança em razão do tipo de serviço prometido e comercializado pelas empreendedoras do sistema. De um lado as operadoras, do outro lado os consumidores – protegidos pelo CDC – os quais adquirem e utilizam os serviços como destinatários finais ou equiparados. Irrelevante, portanto, se os planos são individuais ou coletivos. A partir deste enquadramento e conceituação feitas não cabe à operadora repassar ao consumidor o risco empresarial de sua atividade, uma vez que ela se instalou como prestadora de serviços de assistência à saúde e, como tal, deve se submeter ao ordenamento jurídico posto, em face do império da lei. A iniciativa empreendedora dela foi livre, mas passou a ofertar serviços de interesse público. O Estado não deve ferir de morte a iniciativa privada, atribuindo-lhe ações e responsabilidades que ele mesmo negligenciou ao longo de décadas, sendo elas originais e fundamentais do regime republicano vigente. Mas a iniciativa privada também não pode uma vez instrumentalizada livremente para operar em assistência suplementar à saúde, esquivar-se de suas obrigações diante do público consumidor, especialmente pelo fato de que aufere lucro a partir de tal empreendimento comercial. As operadoras devem oferecer serviços dentro de um padrão mínimo exigível ou deixarem de existir, tal como se apresentam na atual sociedade, se entenderem aviltadas ou simplesmente tolhidas pelo Estado. É sabido por todos que não está nos planos de saúde privados a solução ou a panacéia para todos os males brasileiros pertinentes a este segmento e sim no resgate do serviço público à saúde - para que todos os cidadãos tenham atendimento digno e ético dentro de um piso mínimo de atendimento. Cumprir-se-ia, assim, preceito constitucional fundamental, ainda negligenciado no Brasil. É preciso que políticas públicas objetivas, bem traçadas e contínuas – independentemente de mandatos governamentais e partidos políticos existam de fato e integrem de maneira absoluta o orçamento da União, com verba capaz de gerir e cumprir com todas as questões ligadas à saúde pública. A assistência privada tem finalidade complementar, mas nem por isso imune aos ditames e limites da lei (www.polidoconsultoria.com.br)
Fim do ano passado, fui procurado por um cliente que tentou cancelar o plano de saúde de uma pequena empresa, porém a operadora exigiu o cumprimento de um aviso prévio de mais dois meses, mediante pagamento das respectivas mensalidades. O motivo do cancelamento foi o fechamento de um pequeno comércio, devido à crise financeira desencadeada pela pandemia do coronavírus. Ou seja, o cliente não teve mais condições financeiras de manter a empresa, muito menos de pagar o plano de saúde, quiçá por mais dois meses, como exigiu a operadora. Registradas reclamações no PROCON, no site RECLAME AQUI e na ANS, todas sem sucesso, o cliente decidiu levar a questão ao Poder Judiciário. A Justiça, por sua vez, concedeu liminar suspendendo as cobranças, pois o Juiz entendeu que a própria ANS havia publicado uma resolução anulando um dispositivo que permitia a exigência do aviso prévio. Trata-se da Resolução Normativa 455/2020 da ANS, que anulou o parágrafo único, do artigo 17, da Resolução Normativa