|     Logo   depois de perderem seus maridos, Diva e Josee souberam que teriam direito a   um aparente benefício de seus planos de saúde, mantidos por anos pelos   companheiros: ficar sem pagá-los durante cinco anos. Mas depois perceberam   que não era bem assim. Após o período de gratuidade, chamado de   "remissão", os contratos mantidos por décadas seriam extintos. E,   para continuar com a mesma cobertura, teriam de fazer um novo plano e pagar   mais, muito mais.         "Me pediram R$ 6,5 mil pelo plano novo. Para mim, sozinha. Fiquei   desesperada", relata a professora aposentada Josee Diamant Lisbona, de   62 anos, viúva há cinco e que pagava R$ 1,4 mil junto com o marido.         Casos como os das duas senhoras, usuárias de planos anteriores a 1999, quando   passou a vigorar a atual lei do setor, são cada vez mais comuns nos   tribunais. Também chegaram à área de fiscalização da Agência Nacional de   Saúde Suplementar (ANS).         O órgão, que regula os convênios médicos, promete para os próximos dias uma   súmula para orientar as operadoras de planos. Defenderá que viúvas e viúvos,   ou outros dependentes, após a morte do titular dos planos antigos, tenham a   garantia de usufruir da remissão e depois continuar no mesmo contrato, com os   mesmo direitos e patamares de mensalidade.         Em geral, como se tratam de convênios antigos, os benefícios e a rede de   serviços ofertados são melhores do que os de um novo contrato.         "Se isso vai acabar, não sei. Mas a ideia é tornar mais claro",   afirma o diretor de normas e habilitação da ANS, Alfredo Cardoso. O órgão   regulador informou não ter estimativas sobre o número de pessoas atingidas   pelo problema.         Segundo Cardoso, a súmula poderá criar jurisprudência e evitar que as   empresas cortem os contratos. Aquelas que não cumprirem a orientação poderão   ser multadas pela ANS.         A lei do setor já garante que os planos familiares assinados a partir de 1999   mantenham as mesmas condições para familiares após a morte do titular, pois   considera-se que cada um tem plano individual. Nos produtos anteriores à   legislação, porém, isso não está claro.         No entanto, Cardoso aponta que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que   "são nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações iníquas,   abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam   incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".         "As empresas aproveitam a remissão para expulsar os segurados",   afirma o advogado Rafael Robba, especialista em planos de saúde do escritório   Vilhena Silva. "É um usuário com mais idade, que vai gerar mais   custos." Os casos que chegam aos tribunais têm obtido a garantia de   permanecer no plano com as mesmas condições de custos e assistência, sempre   com base no CDC, aponta. O ideal é que o usuário busque esclarecimento e, se   necessário, a Justiça, antes mesmo de se beneficiar da remissão.         Dificuldade     Conseguir um novo plano individual nos mesmo patamares de cobertura e preço é   praticamente impossível hoje, uma vez que boa parte das empresas do setor   retirou os produtos individuais do mercado em razão de, nesses casos, o preço   ser controlado pelo governo - nos planos coletivos, os valores são livremente   negociados entre empresas contratantes e operadoras de planos.         Os planos individuais atualmente correspondem a 21% do mercado de convênios   de assistência médica, que é de 43,8 milhões de pessoas no País. Um total de   1,7 milhão de pessoas tem planos individuais antigos.         "A remissão é um falso benefício concedido aos dependentes. O problema é   que os consumidores que passam a fazer uso da remissão são, em geral, idosos.   Com a resistência das seguradoras em continuar a contratação, são obrigados a   mudar de operadora de saúde e, assim, a se submeter a novos prazos de   carência. Também, na maioria das vezes, são pessoas com doença   preexistente", afirma o advogado Július Conforti, também especialista em   defender clientes de planos.         "Tenho uma doença crônica, a Doença de Crohn (doença inflamatória   intestinal), e não podia ficar sem o convênio. Meu médico ficou   desesperado", afirma Josee, que obteve liminar para que o mesmo contrato   fosse mantido. "Mas antes disso tentei outras seguradoras e ninguém   queria me pegar", continuou.         "Eu recebi a carta com os cinco anos sem pagar e ponto final. Nunca   entendemos as letras pequenas dos contratos. Fui tentar fazer um contrato   individual e me disseram que só tinha empresarial", afirma a aposentada   Diva Rodrigues Pedrosas, de 80 anos, que também se viu surpresa com a   possibilidade de ficar sem o plano, buscou a Justiça e obteve liminar.         Já Eunice Cicuto, de 81 anos, tem usufruído do benefício da remissão nos   últimos três anos, mas sabe dos riscos. Porém, está satisfeita com o plano,   pois tem direito a livre escolha de médicos e é atendida em hospitais de   excelência. "Faltam dois anos ainda, graças a Deus. Já ouvi falar que   suspendem o plano, mas se acontecer vou entrar com um recurso na   Justiça", promete.         ''De graça, tudo tem uma contrapartida''         Solange Mendes, coordenadora executiva da Fenasaúde, entidade que reúne as   maiores operadoras do setor de saúde suplementar, aponta que as empresas de   planos têm tentado negociar caso a caso com os usuários que possuem o direito   à remissão - ficar sem pagar em caso de morte do titular - para evitar que   percam a cobertura.         "Essas questões contratuais são complicadas porque, de graça, tudo tem   uma contrapartida", disse Solange. Ela enfatizou que os planos antigos   "têm preços achatados em função da política de reajuste abaixo do custo   praticada pelo governo", o que justificaria os altos preços dos novos   contratos.         Ainda segundo as empresas, tanto a remissão como a previsão de extinção do   plano em caso de falecimento do titular são situações previstas nos contratos   de convênios médicos antigos, assinados antes da lei do setor, que começou a   vigorar em 1999.         "Por isso as pessoas devem prestar atenção no contrato. Os planos   antigos estão realmente defasados em preço e pode haver surpresas com o   reajuste", disse Arlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira   de Medicina de Grupo (Abramge).         A coordenadora disse ainda entender que a regra da portabilidade, editada há   cerca de um ano pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, acabou com esse   tipo de problema.         A portabilidade é poder trocar de plano sem ter de cumprir novas carências -   as limitações de atendimento para quem ingressa em convênios médicos. No   entanto, a nova regra não atingiu os planos antigos, que são os que costumam   ter cláusulas de suspensão de pagamentos e extinção do plano para familiares   em caso de morte do titular.         O excesso de restrições para exercer a portabilidade é apontado como motivo   para apenas pouco mais de mil usuários de planos terem se beneficiado da nova   regra até o início deste ano. Atualmente a ANS, operadoras e entidades de   defesa dos consumidores discutem novas regras para a portabilidade.         Problema antigo     Os planos antigos são um problema grave e de longa data. Usuários enfrentam   outros obstáculos, como restrições de cobertura e de acesso a novas   tecnologias ofertadas.         A Agência Nacional de Saúde Suplementar afirma estar de mãos amarradas desde   2003, quando o Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar à Confederação   Nacional de Saúde suspendendo a aplicabilidade de pontos da lei sobre planos   anteriores a ela.         A data da decisão sobre o mérito da ação no STF ainda é uma incógnita, apesar   de o governo ter pedido preferência no julgamento, concedida pelo relator   Marco Aurélio de Mello.         Além disso, o plano de incentivo para que usuários migrassem para contratos   novos ou adaptassem pontos dos acordos, lançado no fim de 2003, fracassou -   menos de 2% migraram para contratos novos. O insucesso decorreu dos altos   custos e de discordâncias entre as empresas e a ANS sobre os reajustes.         Para Almeida, da Abramge, é preciso uma consolidação de leis do setor,   semelhante à Consolidação de Leis Trabalhistas, de 1943.         "Nem especialistas conseguem entender toda a legislação do setor. Nem as   empresas. Após a lei houve 44 Medidas Provisórias e mais de mil resoluções e   instruções normativas", criticou. "Se os especialistas não   conseguem compreender, o que dizer do usuário", afirmou. "É tão   complexo que as empresas têm mais advogados do que médicos."       Fabiane Leite   - O Estado de S.Paulo     O ESTADO DE S. PAULO -   VIDA - 26.09.2010          |   
 
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