Reajuste de plano de saúde aos 59 anos é abusivo


Os consumidores de planos de saúde que atingiam 60 anos de idade já estavam protegidos de qualquer aumento no valor da sua mensalidade por força imperativa do Estatuto do Idoso, que entrou em vigor em 2004, fazendo com que os reajustes por faixa etária entre os 60 e 70 anos de idade, algo permitido pela lei 9.656/98, fosse revogado pelo referido Estatuto. Inclusive, naquela ocasião o Judiciário entendeu que essa vedação deveria ser aplicada retroativamente, ou seja, aos contratos firmados mesmo antes da vigência do Estatuto do Idoso, tendo em vista o seu caráter de ordem pública, possuindo força de regulatória das obrigações futuras e pretéritas.

Diante disso, os planos de saúde, cientes de que os reajustes por mudança de faixa etária após os 60 anos de idade estavam proibidos passaram a adotar uma prática nada solidária, impondo aos usuários dos planos um reajuste pesado por ocasião do aniversário de 59 anos de seus beneficiários.

Ao agir desse modo as operadoras, apesar de alegarem que não estão infringindo a legislação, estão, sobretudo, fraudando o resultado prático do Estatuto do Idoso, a sua finalidade, isto é, evitar a onerosidade excessiva aos consumidores com idade avançada, comprometendo a sua subsistência ao arcar com o pagamento de mensalidades maiores ou, em certos casos, forçando a sua expulsão do plano. Muito embora, tecnicamente, não estejam infringindo a legislação os efeitos maléficos dessa conduta são exatamente os mesmos.

Em razão disso, os nossos tribunais e órgãos jurisdicionais de 1ª instância já estão se posicionando a favor do consumidor e contrário a essa prática, hodiernamente corriqueira nas operadoras dos planos, quando verificada a onerosidade excessiva a que se impõe ao consumidor justamente por não ser possível o aumento de faixa num momento posterior. Muitas vezes esses aumentos são superiores a 70%, com a clara finalidade de compensar os aumentos, ora vedados, mas que eram aplicados antes da vigência do Estatuto do Idoso até os 70 anos de idade. Esses aumentos violam os princípios bases do nosso direito privado, a função social do contrato e a boa-fé objetiva, fraudando, sobretudo, a finalidade do Estatuto.

Cabe mencionar que, em alguns estados, como no caso do Rio de Janeiro, o Judiciário, além de reconhecer a abusividade do reajuste e determinar a devolução em dobro das quantias pagas face o reajuste arbitrário, vem concedendo liminar para os casos em que já houve notificação do plano sobre o aumento, mas esse ainda não foi aplicado, obrigando as operadoras de saúde a se abster da cobrança com reajuste até o julgamento da ação. Como se vê do recente julgado prolatado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"Direito do consumidor. Seguro saúde. Contrato contendo cláusula prevendo o reajuste em função de alteração de faixa etária. Abusividade. REAJUSTE EXCESSIVO POR TER A AUTORA COMPLETADO CINQUENTA E NOVE ANOS DE IDADE. Violação aos princípios da boa-fé e função social do contrato, que devem ser mantidos nas relações contratuais. Conduta abusiva da seguradora, ao expor a segurada a um reajuste de mais de cem por cento no plano contratado, causando uma onerosidade excessiva capaz de inviabilizar o pagamento. CORRETA A SENTENÇA QUE DETERMINOU A EXCLUSÃO DOS REAJUSTES POR IMPLEMENTO DA FAIXA ETÁRIA. Devolução do valor cobrado indevidamente que se impõe. Recurso desprovido." (0318995-63.2012.8.19.0001 - APELACAO - DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 02/05/2013 - SEGUNDA CAMARA CIVEL).

Desse modo, resta ao consumidor lesado por reajuste excessivamente oneroso, recorrer ao Judiciário para afastar tais reajustes, até que seja editada alguma norma, seja pela Agência Nacional de Saúde (ANS) ou pelo Legislativo, vedando tal prática.

Recentemente, o Poder Judiciário vem relutando em aplicar a tese de onerosidade excessiva nos reajustes dos planos de saúde pelo acréscimo e mudança de faixa do segurado após seu 59º aniversário. A explicação é no sentido de que não há vedação legal para tal reajuste, ainda que alto, uma vez que o estatuto do idoso vedou apenas os reajustes após os 60 anos.

O descumprimento à Resolução Normativa 63/03 da ANS

Todavia, os reajustes das ultimas faixas etárias dos planos podem, sobretudo, ser ilegais, ao descumprirem a Resolução Normativa 63/03 da ANS, um parâmetro objetivo para limitação do reajuste global (entre todas as faixas) do plano.

Todos os contratos assinados após 1º de janeiro de 2004 ou adaptados a esse termo deverão seguir essa regulamentação. O objetivo principal da alteração de faixa é o de equilibrar economicamente a relação contratual, ao passo que tenta correlacionar o valor da mensalidade com o risco que se busca garantir, entretanto, por outro lado, referida resolução serve como parâmetro de correta distribuição do risco entre a seguradora e o consumidor, visando diluir os reajustes em escalas com a finalidade de evitar um aumento abusivo nas últimas faixas etárias, o que de fato vem ocorrendo.

Segundo a norma devem ser adotadas dez faixas etárias: 0 a 18 anos, 19 a 23 anos, 24 a 28 anos, 29 a 33 anos, 34 a 38 anos, 39 a 43 anos, 44 a 48 anos, 49 a 53 anos, 54 a 58 anos e 59 anos ou mais. A variação acumulada entre a sétima e a décima faixas etárias não poderá ser superior à acumulada entre a primeira e a sétima faixa (inc. 11, do art. 3º da Resolução Normativa 63/03 da ANS). Ademais, determina ainda a Resolução, acumulativamente, que o valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18).

É importante esclarecer que, os contratos ainda regidos pela lei 9.656/98, assinados entre 1º de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2003, também possuem limitações pela ANS, entre os quais, o do reajuste estipulado em contrato não ter o valor referente a última faixa etária (70 anos ou mais) superior a seis vezes o valor cobrado na faixa inicial (0 a 17 anos), compreendendo nesses contratos um total de sete faixas etárias obrigatórias.

Muitas das vezes esse descumprimento só pode ser observado nos últimos reajustes, àqueles que se dão aos 59 anos do consumidor ou na última faixa etária obrigatória do contrato, onde se percebe que as seguradoras não somam a primeira faixa (0 a 18 ou 0 a 17 anos) nas regras de limitação e induzem a erro no cálculo.

Não raro, observamos que os contratos ou as cartas de reajustes das faixas etárias enviadas aos consumidores não computam a primeira faixa, tendo em vista o índice de reajuste naquela faixa ser igual a zero. Todavia, a resolução da ANS determina que a primeira faixa, por mais que zerada, servirá de parâmetro de limitação entre a sétima ou a última faixa, dependendo do contrato, o que quase nunca ocorre, pois só incluem como primeira faixa justamente a segunda faixa de reajuste (19 a 23 ou 18 a 29 anos), como se observa da recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO CÍVEL Plano de saúde Reajuste por faixa etária ao completar 59 anos de idade Admitida, a princípio, a possibilidade de se estabelecer cláusula de reajuste por faixa etária, que deve obedecer as disposições contidas no art. 15 da Lei nº 9656/98 e a Resolução Normativa nº 63/2003 da ANS Percentual de reajuste estabelecido por contrato em 89,07%. Cálculo da variação acumulada entre a sétima e a décima faixas etárias se mostra superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas em 46,07% Inobservância da regra contida art. 3º, inciso II, da Resolução Normativa nº 63/2003 Abusividade reconhecida Readequação do contrato visando restabelecer seu equilíbrio, aplicando-se, para a faixa etária a partir de 59 anos, o percentual de reajuste a de 43%, em substituição ao de 89,07% Precedentes desta Câmara Recurso parcialmente provido" (TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 0001692-84.2012.8.26.0011, 3ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Viviani Nicolau, j. em 5.2.2013, v.u.)

Assim sendo, constatado o descumprimento às regras da ANS não existe razão para que a revisão judicial das mensalidades pagas pelo segurado não seja efetuada. Existiria aí uma confirmação de abusividade, não podendo o Judiciário tratá-la como uma abusividade presumida, diante da própria desatenção às normas da ANS, cujo interesse precípuo é regulação do equilíbrio econômico do contrato de adesão.
Fonte: Consultor Jurídico
27/02/2014

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